Em janeiro. Toca o telefone, era a Selma Santa Cruz, jornalista, companheira de outras viagens. Me convida para escrever crônicas numa revista feminina, via Internet, num portal. Começo a freqüentar a Internet. E logo percebo que o que estou fazendo escrevendo as tais crônicas é a mesma coisa que já fazia para o Estadão. Digitava aqui, mandava por e-mail. Depois percorria várias teclas até chegar lá no fundo do portal e achar a minha crônica. Nenhuma novidade.
Num almoço com a Selma (sócia da TV1.com), no Spot, comento com ela sobre a passividade das homepages. Podiam ser bonitas, mas no dia seguinte estavam do mesmo jeito. Foi quando ela pronunciou uma palavrinha mágica que ficou navegando na minha cabeça: site vivo! Nem ela, nem eu, tínhamos idéia – naquele momento – do que seria um site vivo.
Começo de fevereiro. Estou começando a me organizar para escrever meu livro Os Anjos de Badaró, para a Editora Objetiva. Por pura coincidência, um crime enrolado com disquetes, micros, sites. Recebo alguns e-mails de leitores do Estadão, pessoas que querem ser escritores, me perguntando coisas: escritor tem inspiração? tem musa? só escreve bêbado? morre tuberculoso? é viado?
10 de fevereiro: minha namorada, a Cris Bonna, faz uma reunião na casa dela para comemorar o meu aniversário no dia seguinte. 11 de fevereiro, 05:00hs: bateu: escrever o Badaró online. Isso, uns dois minutos depois da irmã da Cris perguntar se poderia vir um dia na minha casa para me ver escrevendo.
12 de fevereiro, de manhã: chamo o Cachorrão aqui em casa. O Cachorrão é um craque na coisa. O nome dele era Wagner Belicimo Homem. Depois mudaria para Beto Samara. Conto para ele a idéia. Pergunto se é possível. Pela cara dele, comecei a achar que aquela coisa era inédita.
– Dá, mas temos que arranjar um sócio. Uma produtora. Contei para o Antonio, meu filho, da idéia. Convidei para entrar com a gente no projeto. Ele topou.
14 de fevereiro: eu e Cachorrão, Selma e Sérgio Morta Mello numa mesa. Contamos o projeto. É chamado um cara que entendia. Dava para fazer a ferramenta.
Nos dois dias seguintes o Sérgio vende o projeto para o Terra. Minha vida nunca mais seria a mesma.
Os contratos. Teve um dia que eu estava numa sala com seis senhores engravatados discutindo cláusulas de um contrato tão inédito quanto o seu (desculpem o palavrão) conteúdo. E tudo que eu queria era apenas escrever um livro. Um policial. Os meninos da TV1.com fizeram a tal ferramenta. Esta, que estou usando agora. Uma mágica.
Dia 24 de maio, entro no ar, nervoso, de manhã, cara de sono, fiz a barba, passei um pente no cabelo e me regulando para não enfiar o dedo no nariz. Do lado de lá, soube depois, 15.798 loucos, estavam plugados em mim. Internautas de mais de 50 países. Só do Japão, 98. Estados Unidos, mais de quatrocentos. Tudo brasileiro, é claro.
Ao final do processo, seis meses depois, mais de 400 mil pessoas passaram pelo sete. Quase 800 mil palpites.
No meio do caminho não tinha nenhuma pedra. Tinha uns anjos. Não os meus ou do Badaró. Outros anjos. Meus também. Anjos que chegaram devagar, de mansinho, me chamando de Deus, Guru ou Homi. Pouco a pouco, foram vendo que o deus era com letra bem minúscula, que o Guru cortava cabelo a cada dois meses e que o Homi era igualzinho a eles.
E foi aí que a grande mágica se deu. Se esse cara pode escrever, eu também posso. E começaram a escrever. Mas que ousadia, pensei eu com minhas teclas. Pessoinhas de 16 a senhorinhas de 85. Fizemos um concurso de crônicas. 2.357 chegaram. E posso garantir que lemos todas. O Beto Samara (aliás Cachorrão, aliás Wagner Belicimo Homem), o Antonio Prata (aliás, meu filho) e eu (aliás, ex-Deus).
Sempre ouvia dizer de mães preocupadas: meu filho passa seis horas por dia na Internet. Pois eu descobri que, nessas seis horas, ele só tem duas opções: ler ou escrever. Nenhuma outra geração escreveu tanto quanto esta deste final de século. Estão pegando o gosto pela coisa. Estão percebendo que isso aqui não é um bicho de sete cabeças. Basta uma cabeça e uns dígitos. Uma nova geração de escritores brasileiros está nascendo.
Este livro é um documento.
Este livro mostra as 30 melhores crônicas deste concurso. Este livro, para mim, tem um significado literário muito, muito maior que o livro escrito online Os Anjos de Badaró (agora apenas nas boas casas do ramo).
Assim como eu me revelei para os meus leitores, eles se revelaram para mim. E se revelaram escrevendo como o velho mestre. E escrevendo bem. Escancaradamente bem. Uns, de arrepiar mesmo.
Tenho certeza que essa rapaziada que aqui está é a primeira mostra de que a Internet vai revelar muitos e muitos escritores. Guardem os nomes desses anjos que vocês vão ler agora. Talvez um dia você tope com um deles escrevendo online pela Internet.
E eu vou ficar do outro lado da tela, torcendo para ele enfiar o dedo rio nariz.
E quero deixar aqui um agradecimento à turma de apoio: Sergio, Selma, Antony, Carlos, Trago, Daniel e Mario da TV1.com. Sandra, Caíque e Diego, do Terra, Antonio e Cachorrão.