Como tudo começou

Tudo começou com este verbete publicado no meu livro Minhas Mulheres e Meus Homens RolloverBackArrow

Badaró, dentista
(São Paulo, 1993)

Não via o Badaró há uns vinte anos. Fizemos o primário juntos. Ele se formou em medicina e foi abrir clínica popular no Mato Grosso e sumiu da minha vida. Na minha lembrança, ficou que ele era meio tarado.
Encontrei com ele num bingo, semana passada. Todo de branco, como convém. Foi ele que me reconheceu. Saímos dali e fomos para o bar mais próximo onde ele me contou o seguinte:

– A minha mulher começou a transar com o delegado de Cáceres. Larguei tudo e vim pra São Paulo em 89. Tentei trabalhar com o Chicão, lembra? Fui morar num flat. Tinha muita menina, bem jovens, putinha, sabe? Coisa de nível. Boate Photô, já ouviu falar? Cada gatinha, meu! Foi quando eu conheci a Diana. A Diana é uma cafetina. Cafetina de alto nível. Agencia as meninas, entende? Conhece o mercado. E ela cismou comigo, gostava de transar comigo.
Minha vida nunca mais seria a mesma. Larguei a medicina. Virei Provador de Puta.

– Como é que é?

Quando as meninas são indicadas para a Diana, ela passa as meninas para mim. Tenho um outro apartamento no flat, pago pela Diana, que é onde a coisa funciona. Recebo como médico. Faço uma ficha, igual consultório mesmo. Além de toda a parte médica, tem a parte técnica. Há quanto tempo perdeu a virgindade, com quantos homens já transou, se tem algum problema, se faz sexo anal. Enfim, levanto a vida sexual da moça. Num segundo estágio, começam as aulas práticas.
Peço todos os exames de sangue, fezes e urina. Ao mesmo tempo, saio para jantar, ensino o uso dos talheres, como escolher um bom vinho, etc. Vestuário, perfume, tudo. Tudo pago pela Diana, é claro. Quando a menina tá no ponto, a Diana coloca no mercado.

– E a Diana te paga pra fazer isso? Comer essas gracinhas todas?

Deus existe, cara! Ganho duzentos por consulta. Dependendo do mês, dá pra tirar uns quinze paus.
E, por fora, negócio só meu, criei o CPF (Consórcio de Profissional Fina). O consorciado paga 300 paus por mês e tem direito – sem sorteio, hein! – a oito trepadas por mês. Pode ser com a mesma menina, ou avulso. Ou misto. É um ótimo negócio para o consorciado. Sai menos de trinta reais a vez. E damos garantia contra aids, gonorréia, etc.

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Badaró suicidou-se há alguns dias. Deixou alguns disquetes para Alcides Capella, velho jornalista policial, seu amigo do interior. Nestes disquetes, a ficha de 431 meninas de programas e participantes do consórcio do Badaró.
Capella é antigo como as iniciais do seu nome: A.C. É o único ainda a usar uma velha Remington no meio de uma redação repleta de computadores. Capella não evoluiu, Capella não venceu na vida. É quase um fracassado, jornalista de porta de delegacias e portão do Carandiru. Mas sabe muito do sub-mundo do crime de São Paulo, que será pano de fundo para seu trabalho.
Capella é gente que bebe.
Capella é casado com a gorda Cláudia, que gasta o pouco que ele ganha em spas.
Capella é – às vezes – ex-alcoólatra, vive em reuniões dos AA. O leitor acompanha sua luta contra a bebida. Suas recaídas. Infelizmente ele sabe que é alcoólatra, embora tenha sua lucidez de detetive e advogado formado em Bragança Paulista.
Capella tem que aprender a usar computador, aos 63 anos – o que chega a ser hilário – para ter acesso aos registros de Badaró. Principalmente depois de desconfiar que Badaró não se suicidou e sim, foi assassinado. E mais: que, nas fichas das meninas, Alcides encontrará as pistas para chegar ao criminoso. Ou criminosa.

A verdade é que Badaró ficara rico com o seu comércio ilegal. E sabia demais. Muita gente tinha interesse em apagá-lo.
Capella dedica-se, de corpo e alma, a desvendar tudo. Sonha, há mais de 40 anos, com o Prêmio Esso de Jornalismo. Jornalista meio fracassado, vê nessa empreitada a realização de todos os seus sonhos.
Em seu trabalho de detetive, Capella esbarrará em máfias de narcotráfico, prostituição, contrabando e assassinatos. Chegará aos altos escalões do poder.

Quem matou Ozanan Badaró? RolloverBackArrow